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TEORIAS

O centro da teoria feminista — com ênfase em pressões estéticas — deste trabalho é O Mito da Beleza, de Naomi Wolf, em que a padronização da beleza feminina é pensada como uma maneira de sobrecarregar as mulheres ocidentais de classe média em ascensão com mais uma jornada. Seria, então, um projeto de controle social, uma “arma política” para impedir que a segunda onda do feminismo (1960-80) produzisse maiores transformações no sistema patriarcal. Segundo Wolf, a mídia tem um papel fundamental na implementação e na sustentação deste projeto, e as revistas femininas atuaram como uma “autoridade invisível” contraditória, à medida em que traziam pautas feministas, mas tinham de manter discursos em torno do mito para satisfazer os anunciantes.

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A teoria feminista conta ainda com temas transversais, como as contribuições de sexo e gênero de Linda Nicholson e Judith Butler, encaixando os dois conceitos como uma construção social que depende de inúmeras subjetividades e que torna um corpo uma variante, não uma constante na identidade feminina. O conceito não apenas foi utilizado como também aplicado na prática do trabalho, entendendo que se trata de um recorte muito específico e que não pode ser generalizado. Nicholson sugere substituir “propostas sobre mulheres como tais ou nas sociedades patriarcais” por “propostas sobre mulheres em contextos específicos”. No caso deste trabalho, trata-se do público-alvo da revista Capricho e dos portais de entretenimento ao retratar mulheres e seus corpos. Nicholson utiliza ideias do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, que trata os sentidos como um “jogo”, não como uma fixação de significado. Isso vai de encontro com o "jogo de identidades" de Stuart Hall, conceito que trata do aspecto mutável, aditivo e contraditório da estruturação das identidades. 

 

Os conceitos de violência são de Yves Michaud e Pierre Bourdieu. Em Michaud, pensamos na diferenças entre atos de violência e estados de violência, sendo o segundo aquele que é promovido pelo discurso jornalístico, “causando  danos  a  uma  ou  várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais”. Em Bourdieu, a noção de “violência simbólica”, que pode pavimentar outros tipos de violência ao exercer o poder da dominação. O texto do jornalista que falou de Marília não só se encarrega de reproduzir violência, como também de retratar as violências que ela sofria como algo natural. Vai pelas duas vias de propagação da mídia. Michaud menciona a questão da manipulação das imagens de violência, para escolher como um fato será apresentado, assim como da banalização dessas imagens e dessa violência.

 

Existem ainda, neste trabalho, a visão de Antoine Prost sobre a importância adquirida pelo corpo na vida privada; as definições de estigmatização e estereotipização de Erving Goffman, que descreve o processo de desumanização pelo qual as pessoas passam ao serem reduzidas a um aspecto da sua identidade; assim como a ideia de Michel Foucault acerca dos regimes de verdade criados e validados para manutenção de poder. Em Microfísica do Poder, Foucault fala de uma "economia política da verdade" para se referir aos discursos da sociedade moderna, que, para ele, surgem da área científica e das instituições que dominam essa área. É justamente este o foco do estudo de Elizabeth Vieira em A Medicalização do Corpo Feminino: mostrar como o discurso científico legitimou o controle da sexualidade, da saúde, da educação e, principalmente, do papel social das mulheres, sobretudo a partir do século XIX. A opinião médica passou a ser soberana em 1880, e ao longo dos anos, foram fundadas áreas como a ginecologia, a embriologia, a genética e a mais recente, a obstetrícia, voltada para os cuidados reprodutivos.

 

A transformação de eventos biológicos em distúrbios e a criação de mitos a respeito da "natureza feminina", como o "instinto maternal", possui diversas origens neste projeto social e político analisado por Vieira. A ideia de uma inferioridade feminina, de sua associação à doença, à loucura, à morte, encontrou força no discurso médico, e se tornou um conjunto de práticas intervencionistas que regula os corpos e toda a vida de uma mulher. Essa visão encontra-se complementada por Fabíola Rohden, que destaca uma “ciência da diferença” capaz de medicalizar a beleza em si.

 

Observando os aspectos políticos, há de se destacar que o discurso moderno possui bases neoliberais, em que supostamente cada um governa seu próprio corpo. Tal conjuntura contamina inclusive as chamadas "contracondutas", os questionamentos em torno dessas verdades impostas. O feminismo liberal, por exemplo, ao cair nos regimes de verdade do neoliberalismo, acaba por não se livrar completamente dos discursos patriarcais, fator pontuado por Margareth Rago em Estar na hora do mundo: Subjetividade e Política em Foucault e nos feminismos. Como o empoderamento pode se dar de forma individual se ainda é o Estado que controla nossos corpos, se ainda é dali que parte e tem continuidade o pensamento dominante, os regimes de verdade, os discursos e suas ramificações? A resposta é simples: não é esse o caminho quando se trata de formar lutas e resistências contra o modelo vigente.

 

A definição de gordofobia vem da da filósofa brasileira Maria Luisa Jimenez Jimenez, conhecida pelo seu ativismo contra o estigma da gordofobia. “A gordofobia é uma discriminação que leva à exclusão social e, consequentemente, nega acessibilidade às pessoas gordas. Essa estigmatização é estrutural e cultural, transmitida em muitos e diversos espaços e contextos sociais na sociedade contemporânea. Esse prejulgamento acontece por meio de desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensas e restrições aos corpos gordos de modo geral”, afirmou a autora em sua tese de Doutorado. Aqui, há uma conexão com Goffman, já que se trata de um processo de estigmatização. Estudos de Agnes Arruda e Carolina Duó de Souza também são utilizados para definições de corpo e sociedade.

 

Assim também acontece com o conceito de body shaming e body positive. Para esses, serão utilizados os conceitos de Jessica Cwynar-Horta, que fala sobre o movimento body positive, parte que será importante nas partes mais atuais do trabalho, a partir dos anos 2010, sem confundir o termo com “ativismo gordo”, fato que é diferenciado por Jimenez. A partir dessa perspectiva e de todo o conjunto de estudos deste trabalho, infere-se que o termo body shaming é um guarda-chuva para diversas estigmatizações, sendo a gordofobia apenas uma delas. Também será utilizada a definição de diet culture ou culto à magreza. Natalie Jovanovski descreve o termo como uma vigilância de gênero, iniciada e reproduzida pelo patriarcado para afastar mulheres de seus corpos e seus apetites, uma forma de objetificação das mulheres. É uma noção que se conecta com o mesmo projeto do mito da beleza, uma ramificação.

 

A linha do tempo histórica é orientada por Denise Bernuzzi de Sant'Anna, de História da Beleza no Brasil, complementada pela já citada Elizabeth Vieira, com sua teoria da medicalização do corpo feminino, e por Sabrina Strings, trazendo o viés das origens racistas da gordofobia em Fearing the Black Body. As visões estabelecidas por Dulcília Buitoni também serão utilizadas para trazer as ambiguidades históricas acerca do conteúdo circulante das revistas femininas brasileiras.

 

Para analisar as imagens e a função da mídia, foi aplicada a Análise do Discurso (AD) proposta por Michel Pêcheux, Michael Foucault, Maingueneau e Charaudeau, com as contribuições valiosas de Helena Brandão e Maria Gregolin, articulando mídia e AD, duas áreas responsáveis pelas produções de sentido na história e na memória. É preciso “analisar as condições que permitem o aparecimento de certos enunciados e a proibição de outros”. Verificar as estratégias de vocabulário, de conhecimentos, quem fala, de onde fala, baseado em que direito, e como as informações foram controladas, selecionadas, organizadas e redistribuídas, em que contexto. O que foi silenciado e o que foi exposto. Foi isso que eu fiz neste trabalho.

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Os nomes e os links das leituras e também das imagens utilizadas podem ser encontrados aqui.

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